Imagine comer uma porção de larvas. Nojento? Insetos como esse, considerados repugnantes no Ocidente, fazem parte da alimentação diária em muitos países. Ricos em proteínas, vitaminas, minerais e gorduras, os insetos ganharam uma distinção especial da Organizações das Nações Unidas (ONU), que lançou um programa que incentiva a sua criação para o combate à fome.
Para o biólogo Eraldo Medeiros Costa Neto, doutor em Ecologia e Recursos Naturais e professor de Etnobiologia da Universidade Estadual de Feira de Santana/BA, desde que selecionadas as espécies certas, os insetos podem melhorar o estado nutricional de populações carentes de proteína animal e aumentar a renda familiar. É exatamente o que defende a ONU. No entanto, o pesquisador adverte que a sua criação racional requer a mesma atenção zootécnica que qualquer outro sistema.
Há cerca de três mil grupos étnicos em mais de 120 países que comem insetos como suplemento alimentar, substituto de alimentos escassos ou como ator principal da dieta. Entre milhões de espécies de insetos conhecidas, quase 1,7 mil são consumidas por humanos. Geralmente, a preferência recai sobre o sabor. No México, Eraldo experimentou uma lagarta que tinha gosto de toucinho, além de percevejos, gafanhotos e ovos de formiga. No Brasil, provou larvas e pupas de moscas e formigas tanajuras, as quais são servidas fritas e com farinha em cidades do Nordeste.
Na Ásia, é possível comprar pacotes de grilos em mercados. O mesmo ocorre no México com os chapulines (gafanhotos), que também são vendidos como petiscos em eventos. Já no Brasil, encontra-se em análise, no Ministério da Agricultura, um pedido de licença de venda de insetos para consumo humano. A proposta é da Nutrinsecta, empresa que cria e comercializa insetos para alimentação animal.
De acordo com seu diretor, Luiz Otávio Pôssas, há a aposta de que eles serão a alimentação do futuro. O executivo não dá mais detalhes sobre como eles seriam vendidos aos humanos - se prontos para o consumo ou necessitando de algum tipo de preparo - e diz que aguarda pela liberação com interesse, mas sem preocupação.
Os preferidos
Estudo comparativo, desenvolvido por Eraldo Neto, Ramos-Elorduy e outros pesquisadores, elencou aspectos nutricionais de insetos comestíveis do México e do Brasil. Destaque para o ditiscídeo Rhantus sp, escaravelho que possui, em 100 gramas de base seca, 71,10 gramas de proteína, 12,26 gramas de fibra bruta, 6,37 gramas de gorduras, 4,60 gramas de sais minerais e 5,64 gramas de glicídios. Em comparação, 100 gramas de alcatra têm 30,4 gramas de proteínas - valor inferior a pelo menos 14 espécies referidas no estudo.
Besouros são os mais consumidos por humanos, mas outros insetos não deixam por menos no quesito proteína, como o gafanhoto-de-perna-vermelha (75,30 gramas de proteína a cada 100 gramas), ovos de percevejo d’água (63,80 gramas), pupas de moscas domésticas (61,54 gramas) e formigas cortadeiras (58,30 gramas).
Os números candidatam os insetos a futuros substitutos da carne vermelha. Para quem pensou em compensar na salada, vai faltar proteína: apesar do “esforço” da ervilha (8 gramas/100 gramas), da couve (4 gramas) e do brócolis (3,3 gramas), cenouras, alfaces e cebolas têm apenas um grama de proteína, aproximadamente.
Os vitaminados
Que tal se prevenir da gripe comendo insetos? O verme vermelho do maguey (ou gusano rojo, para os mexicanos) possui 17,58 miligramas de vitamina C a cada 100 gramas - valor próximo ao do mamão. Estima-se que, diariamente, uma pessoa adulta precise de 60 miligramas da vitamina - pouco mais de 300 gramas de vermes. Já como fonte de vitamina D, destaque para o gafanhoto S. histrio, com 164,9 U.I. por 100g - semelhante ao peixe arenque, ao fígado de galinha cozido ou à gema do ovo.
Esse gafanhoto possui também grande quantidade de vitamina B2: 0,67 miligramas /100 gramas). Ele é acompanhado pelo verme vermelho (0,48 miligramas), percevejo Euschistus sp (0,41 miligramas) e vespa Polybia sp (0,40 miligramas). Considerados alimentos ricos em B2, os queijos não superam a marca. O roquefort e o brie, com 0,57 miligramas e 0,52 miligramas, até se aproximam do gafanhoto, enquanto o suíço tem 0,30 miligramas.
Os intragáveis
Mas não dá para sair comendo qualquer inseto. Há determinadas mariposas, borboletas, besouros e formigas que podem provocar bolhas na pele e mucosas e até envenenamento por substâncias tóxicas. “Muitas espécies sequestram toxinas de plantas hospedeiras ou podem produzir suas próprias toxinas, tornando-se não comestíveis”, explica o biólogo Eraldo Neto. Ele também recomenda que, se a pessoa for alérgica ao consumo de camarão ou lagosta, deve ter atenção ao ingerir insetos, pois parece existir alérgenos comuns. Ou seja, você pode ser alérgico à ingestão de escorpiões e não saber disso.
Vantagens
Os insetos são extremamente eficientes na conversão de ração em carne comestível. Na média, podem converter 2 quilos de ração em 1 quilo de massa, enquanto o gado precisa de 8 quilos de ração para produzir 1 quilo de carne. Também criações de gado, aves e porcos liberam mais amônia e até 300 vezes mais óxido nitroso, agravando o efeito estufa.
Segundo Eraldo, essa nocividade, aliada ao desmatamento exigido para o plantio de pasto e todos os implementos agrícolas, faz da criação de insetos uma alternativa ecológica e econômica mais interessante.